Capítulo II

Não sabia qual lugar estaria sobrevoando. Já saíra do Brasil? Sim, provavelmente. Lembrava-se de ter ouvido o piloto dizer algo a respeito das fronteiras do país e sabia que ainda levaria mais quatro horas para a escala em Berlim, na Alemanha. Depois disso, havia ainda por volta de uma hora e meia para pousar em solo romeno. Estava cansado de ficar sentado. Seu assento ficava à esquerda do avião, bem ao lado do corredor. O homem ao seu lado direito trabalhava duro usando o notebook, mas o que ele realmente fazia não interessava a Lorenzo nem um pouco. À sua esquerda, com o intervalo de um banco, uma senhora dormia.
O tédio imperava; Já fizera palavras-cruzadas, vira TV, ouvira música e lera, mas nada parecia fazer o tempo passar. A poltrona era confortável, porém ele já estava cansado e sentia as pernas adormecidas. Resolveu, então, que tentasse ao menos dormir um pouco, coisa que não conseguiu fazer na noite passada. Inclinou sua poltrona alguns palmos para trás, encostou a cabeça e de um modo absurdamente ridículo, contou carneirinhos.
- Senhor? Senhor? Ahn... Senhor? – Cutucava-o gentilmente a aeromoça.
Abriu os olhos. Ali na sua frente estava uma das aeromoças, com cara de pacífica compreensão que todas elas aparentam ter, cutucando-o levemente o ombro.
- Uhn? – Foi o que conseguiu pronunciar, ainda sonolento.
- O senhor está bem? Quer dizer, está tudo normal? – Largou seu ombro.
Apesar de achar a pergunta estranha, respondeu:
- Sim, estou. Mas por quê? – Olhou em volta e percebeu que a maioria dos passageiros o olhava num misto de curiosidade, repreensão e pavor.
- Como assim? Por quê? – Prosseguiu a moça. – Não se lembra do que fez há poucos minutos?
- Sim, lembro. Estive dormindo, até que agora você veio e me acordou.
- Acho que não é bem isso. O senhor está, por acaso, brincando comigo? – Irritou-se a aeromoça.
Lorenzo ficou confuso. Afinal, se não estava ali dormindo, o que fez? Como fez? E o pior de tudo: fez sem perceber?
- Não, estou falando sério. – Ele tentava manter a calma. – Não me movi desta cadeira desde que adormeci, o que já faz um bom tempo... Que horas são?
- Onze e cinqüenta e três, senhor. Faz alguns minutos, já. – A expressão da aeromoça tornou-se um pouco mais séria. – O senhor levantou, dirigiu-se ao banheiro da aeronave que estava ocupado e se pôs a esmurrar a porta fechada. “Preciso entrar no banheiro. Quero usar o banheiro.”, foi o que o senhor disse, quer dizer, o que o senhor gritou.
- Eu? – Lorenzo ficava cada vez mais sem entender nada. – A senhora não está me confundindo, ou coisa parecida? Estive o tempo todo aqui, dormindo.
- Não... – A moça olhou em volta. – Era o senhor, mesmo. Até me dirigi ao senhor e informei-lhe que havia outro banheiro na aeronave, mas o senhor nem deu atenção. Deu mais alguns murros na porta e desmaiou. Caiu no chão. Chamei, então, os outros comissários que o colocaram no seu assento de volta e desde o acontecido estou aqui do seu lado, chamando-o.
Como assim, desmaiara? Lorenzo não tinha lembrança alguma disso. Só se lembrava de ter sonhado com um banheiro... Sim, um banheiro de avião! Sonhara com isso. Mas então não fora sonho? Ele estava confuso. Se tivesse desmaiado mesmo, era capaz que tivesse esquecido o que fizera. Nunca tinha desmaiado antes, não sabia como era. É, talvez tivesse sido isso mesmo. Desmaiou e esqueceu o que fez. Só havia esta explicação.
- O senhor está bem? Caso contrário, podemos providenciar assistência médica... Aqui no avião nossos recursos são limitados, mas logo que pousarmos em Berlim o senhor pode ter maior assistência.. – Pôs-se a explicar a aeromoça, mas Lorenzo interrompeu-a:
- Não, não... De forma alguma. Estou bem, obrigado. Acho que ao desmaiar devo ter-me esquecido de que levantei. Por favor, peça desculpas ao passageiro que estava no banheiro por mim.
- Está certo, então. Qualquer coisa o senhor pode chamar qualquer um de nós. Ah, só uma última pergunta: O senhor costuma desmaiar? – Quis saber a aeromoça.
- Não, na verdade, nunca desmaiei.
- Uhn... Bom, tudo ok. Com licença. – E retirou-se.
Lorenzo levantou o encosto da cadeira. Estava agitado demais para voltar a dormir. Mesmo já tendo achado explicação para o que acontecera, não podia deixar de pensar no caso. Era estranho. Percebeu que quase imediatamente, a maioria dos passageiros que o fitava foi virando-se e voltando a fazer o que quer que fosse que faziam. Alguns outros ainda o olhavam, mas depois de alguns minutos, desistiram.
Olhou para a direita. A senhora estava agora acordada e lia um livro que ele não conseguiu distinguir o nome. À sua esquerda, o homem continuava trabalhando incessantemente no seu notebook.
“Louco”. Pensou. “Devo estar ficando louco”. Tentou distrair seus pensamentos assistindo TV, mas não obteve sucesso. A descrição da cena que a aeromoça lhe dera não saía de sua cabeça, estava grudada nele como um chiclete na calçada gruda em seu sapato. Meia hora se passou até que o comandante anunciasse que ainda faltaria cerca de uma hora para pousassem em Berlim.

quarta-feira, 29 de abril de 2009