Capítulo I

Era fim de madrugada, começo da manhã. Hora característica do dia em que o sol ainda não raiara, porém sua luminosidade já é percebida. Tal luz iluminava o quarto, entrando por uma janela semi-aberta, destacando a silhueta de um homem magro, de cabelos ralos, arqueado à beira de uma cama de casal.
Ele se contorcia não com muita violência, mas com grande incômodo. Sua cabeça doía como nunca, seu corpo suava como o de um maratonista. O clima daquela manhã de Junho era ameno e confortável, mas Lorenzo pouco ligava para isso -- e outras tantas coisas -- durante estes espasmos.
Levantou-se, e com um imenso esforço para se manter de pé sem ir ao chão, pôs-se a descer as escadas para o piso térreo em direção à cozinha. Procurou seus comprimidos de dor de cabeça, que pouco lhe adiantavam ultimamente. Olhou o relógio. Cinco horas e quarenta. Lembrou-se da sua viagem marcada para hoje e pouco se animou em pensar nos dois anos que passaria na Romênia. Ah, como gostaria de ter dormido mais um pouco.
Não havia nada que prendesse Lorenzo no Brasil. Nem família, namorada ou amigos. Tinha sim, amigos e família, mas não os considerava nada mais do que conhecidos. O problema estava em, portanto, saber que tal viagem que fora declarada como “a trabalho”, não passava de uma desculpa para afastá-lo de seu serviço. Se o demitisse, o Jornal gastaria com ele, então a melhor solução era o afastamento. Lorenzo reconhecia que faltava com freqüência, mas o que poderia fazer em face de suas dores?
Com um gesto banal e cotidiano de como quem acena dizendo “Olá!”, ele engoliu seus comprimidos. Eram amarelos e de um tamanho razoavelmente grande e, para Lorenzo que nunca gostou de remédios, era fácil encará-los como simples jujubas.
Subiu as escadas do mezanino, passou pelo seu quarto, onde arremessou a bermuda que vestia à cama, rumando para o banheiro. “Quem sabe assim passe”, disse para si mesmo, ligando o chuveiro e pondo-se embaixo dele.
A água quente caía sob a cabeça. Em poucos instantes sentia-se relaxado e permitiu que sua mente vagasse pelos pensamentos que bem entendesse; isso não importava. Um certo conforto o envolvia, nada mais em seu corpo oferecia resistência. Esqueceu-se.
O rádio-relógio tocou. Levou um susto. Que horas seriam? Quanto tempo teria ficado ali? Seis horas e cinqüenta. Havia passado quase uma hora n’água! Dormira? Não, afinal, estava de pé, o cabelo estava lavado e a barba estava feita. Será que ficara tão alheio que fizera tudo sem notar? Era bem provável que sim. Mas quem ligava? O vôo saía às oito e se não corresse, certamente o perderia. Desligou o chuveiro, saiu do banho e se enxugou. Foi para o quarto.
Procurou o que vestir. Não podia colocar nada muito pesado, afinal, era verão no hemisfério norte. Optou por seu velho jeans, uma camiseta e uma blusa de lã igualmente pretas e seu All Star azul. Não penteou os cabelos, sabia que era perda de tempo; Mal havia cabelo para pentear, e além do mais, sempre gostara dele ligeiramente desarrumado.
O taxista viria pegá-lo às sete, afinal morava próximo ao aeroporto; Não levaria mais que vinte minutos no trajeto. Restava-lhe pouco tempo. Conferiu mentalmente a bagagem, apanhou o celular, fechou a janela e desceu para a sala.
Ali, sentado no sofá, escreveu dois bilhetes. O primeiro, à sua família, escreveu:

"Caros parentes,
Saí de viagem para a Romênia, onde passarei dois anos. Talvez as coisas melhorem por lá. Ao chegar, ligo para vocês. Desculpem não avisar antes.

Abraços, Lorenzo."


O segundo bilhete seria um pouco mais extenso, destinado à empregada. Era uma moça jovem e realmente bonita e perspicaz, mas pela “falta de sorte”, como ela mesma dissera a ele um dia, não obteve nada mais significante na sua vida. Lorenzo gostava dela, mesmo percebendo que ela o evitava de uns tempos para cá. A moça viria na próxima segunda-feira, com certeza veria o bilhete. Seus pais, que viriam amanhã para o almoço, também veriam o deles. Escreveu:

"Gabrielle,
Espero que esteja bem. Como já sabe, fui viajar. A previsão é que fique fora por dois anos, mas não é certeza. Caso haja algum imprevisto, entrarei em contato e darei as orientações necessárias.
Por favor, venha trabalhar normalmente. Onde quer que eu esteja, depositarei seu salário.
Caso meus pais procurem por mim, diga que não sabe mais que eles mesmos."

Com Carinho,
Lorenzo.


E guardou o bilhete no armário dela.
Às sete e doze, o táxi estava parado em frente ao número 735 e Lorenzo entrava nele. Deu uma última olhada para sua pequena casa, suspirou e saíra, rumo ao futuro.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

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